Prova de Vida
— Dayana Lucas
* * *
400pp. | A4 | 1/1 | Cosido e brochado | Papel Super Snow Bright 80gr, 2.0 | Capa dura revestida em tecido + serigrafia (preto)
[ Existem duas variantes do livro: com o miolo pintado de preto à volta, ou sem pintar ]
Textos: Daniel Faria | Dayana Lucas
Desenhos: Dayana Lucas (2013—2021)
Fotografia: Mariana Sales Teixeira
Desenho gráfico: Dayana Lucas
Tiragem: 50 exemplares numerados e assinados
Impressão e acabamentos: Diário do Porto
Apoio: Criatório
2020—2022
* *
2013 —
“Não caias da realidade abaixo”
Como começou não sabe. Uma coisa de cada vez até juntar-se tudo ao mesmo tempo, tudo sobreposto. Até ver o mundo a arder e o seu próprio corpo explodir no seguimento dessa visão. Entrou na zona. Teve acesso ao mapa onde não sabia onde estava, nem onde tinha estado, nem onde ia. Tudo e todos os lugares, todos os tempos, estavam com ela, disponíveis, acessíveis. Foi tomada e levada a percorrer a zona, conduzida por uma força massiva que une tudo-em-um.
Conviveu com mortos, ouvia as vozes dos seus amigos. Falavam com ela como se fosse uma rádio a captar frequências, mas não controlava as estações. Luzes, sons, palavras, cores, números, formas, texturas (tudo sinais) iam ter com ela como raios e era tudo uma composição, uma sequência perfeita, uma espécie de sinfonia que se expandia para além do som e absorvia todo tipo de matérias. Um filme: nada era por acaso e tudo batia certo. Percorreu a cidade descalça – viu a geometria de tudo em tudo – brincou com o sol e a sua sombra – desfez-se das chaves de casa – atravessou o rio – não dormia – mal comia – entrou em três casas – perdeu um dente. Havia milhares de situações e relações em cada segundo. Captava tudo. Era um espectro e tudo era transparente e penetrável como água. A luz era intensa.
Entrou no hospital a dar voltas sobre si própria e a andar em frente ao mesmo tempo. Atravessou assim essa porta e morreu. Viveu morta sem referências nem preferências durante aproximadamente três anos e meio, sem saber qual era a verdadeira realidade, sem saber quem era. Depois de uma viagem ao alto, foi enterrada no fundo da terra. Ficou sem vocabulário e não sabia dizer o que tinha vivido nem o que estava a viver enterrada. Depois de estar na zona, levada por essa força que a fazia avançar sem decidir nada, ficou bloqueada. Nesse estado começou a fazer riscos nas folhas, a dar um sinal de vida, ou talvez a tentar traduzir o que tinha vivido. Essa linguagem, essa espécie de alfabeto são a prova de que estava viva apesar de morta e essa ação diária acordou lentamente o seu corpo. Aprendeu a ler e a escrever de outro modo.
Vive agora com a imagem de duas realidades cruzadas, como dois espelhos frente a frente. Aceita que faz parte de algo maior que não controla, algo que exige disponibilidade e entrega, como uma dança. O segredo é saber dirigir e deixar-se levar ao mesmo tempo – pelo excesso ou pelo vazio – à procura de um gradiente.
DL
*
Dayana Lucas nasceu em 1987 em Caracas, Venezuela. Em 2003 mudou-se para a Ponta do Sol (Ilha da Madeira), de onde são provenientes os seus pais, e em 2006 para o Porto onde obteve a licenciatura em Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (2006—2010). Reside e trabalha no Porto.
Desenvolve uma pesquisa prática na área do desenho enquanto ritual e lugar de invocação pré-linguístico, com particular interesse na sua passagem para a escultura e o espaço. Trabalha também como designer na área da cultura, tendo colaborado com músicos, artistas plásticos e diversas instituições culturais portuguesas. Foi cofundadora da Oficina Arara, onde desenvolveu, até 2017, trabalho na área do design e da impressão com diversos meios manuais, e na organização de exposições e encontros com a comunidade artística do Porto. Colabora desde 2010 com o colectivo SOOPA. Em 2019 criou o projeto ORINOCO no qual se dedica à criação de livros e outras edições em colaboração com outros artistas.
www.dayanalucas.com
www.lehmannsilva.com/artist/dayana-lucas/
400pp. | A4 | 1/1 | Cosido e brochado | Papel Super Snow Bright 80gr, 2.0 | Capa dura revestida em tecido + serigrafia (preto)
[ Existem duas variantes do livro: com o miolo pintado de preto à volta, ou sem pintar ]
Textos: Daniel Faria | Dayana Lucas
Desenhos: Dayana Lucas (2013—2021)
Fotografia: Mariana Sales Teixeira
Desenho gráfico: Dayana Lucas
Tiragem: 50 exemplares numerados e assinados
Impressão e acabamentos: Diário do Porto
Apoio: Criatório
2020—2022
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2013 —
“Não caias da realidade abaixo”
Como começou não sabe. Uma coisa de cada vez até juntar-se tudo ao mesmo tempo, tudo sobreposto. Até ver o mundo a arder e o seu próprio corpo explodir no seguimento dessa visão. Entrou na zona. Teve acesso ao mapa onde não sabia onde estava, nem onde tinha estado, nem onde ia. Tudo e todos os lugares, todos os tempos, estavam com ela, disponíveis, acessíveis. Foi tomada e levada a percorrer a zona, conduzida por uma força massiva que une tudo-em-um.
Conviveu com mortos, ouvia as vozes dos seus amigos. Falavam com ela como se fosse uma rádio a captar frequências, mas não controlava as estações. Luzes, sons, palavras, cores, números, formas, texturas (tudo sinais) iam ter com ela como raios e era tudo uma composição, uma sequência perfeita, uma espécie de sinfonia que se expandia para além do som e absorvia todo tipo de matérias. Um filme: nada era por acaso e tudo batia certo. Percorreu a cidade descalça – viu a geometria de tudo em tudo – brincou com o sol e a sua sombra – desfez-se das chaves de casa – atravessou o rio – não dormia – mal comia – entrou em três casas – perdeu um dente. Havia milhares de situações e relações em cada segundo. Captava tudo. Era um espectro e tudo era transparente e penetrável como água. A luz era intensa.
Entrou no hospital a dar voltas sobre si própria e a andar em frente ao mesmo tempo. Atravessou assim essa porta e morreu. Viveu morta sem referências nem preferências durante aproximadamente três anos e meio, sem saber qual era a verdadeira realidade, sem saber quem era. Depois de uma viagem ao alto, foi enterrada no fundo da terra. Ficou sem vocabulário e não sabia dizer o que tinha vivido nem o que estava a viver enterrada. Depois de estar na zona, levada por essa força que a fazia avançar sem decidir nada, ficou bloqueada. Nesse estado começou a fazer riscos nas folhas, a dar um sinal de vida, ou talvez a tentar traduzir o que tinha vivido. Essa linguagem, essa espécie de alfabeto são a prova de que estava viva apesar de morta e essa ação diária acordou lentamente o seu corpo. Aprendeu a ler e a escrever de outro modo.
Vive agora com a imagem de duas realidades cruzadas, como dois espelhos frente a frente. Aceita que faz parte de algo maior que não controla, algo que exige disponibilidade e entrega, como uma dança. O segredo é saber dirigir e deixar-se levar ao mesmo tempo – pelo excesso ou pelo vazio – à procura de um gradiente.
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Dayana Lucas nasceu em 1987 em Caracas, Venezuela. Em 2003 mudou-se para a Ponta do Sol (Ilha da Madeira), de onde são provenientes os seus pais, e em 2006 para o Porto onde obteve a licenciatura em Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (2006—2010). Reside e trabalha no Porto.
Desenvolve uma pesquisa prática na área do desenho enquanto ritual e lugar de invocação pré-linguístico, com particular interesse na sua passagem para a escultura e o espaço. Trabalha também como designer na área da cultura, tendo colaborado com músicos, artistas plásticos e diversas instituições culturais portuguesas. Foi cofundadora da Oficina Arara, onde desenvolveu, até 2017, trabalho na área do design e da impressão com diversos meios manuais, e na organização de exposições e encontros com a comunidade artística do Porto. Colabora desde 2010 com o colectivo SOOPA. Em 2019 criou o projeto ORINOCO no qual se dedica à criação de livros e outras edições em colaboração com outros artistas.
www.dayanalucas.com
www.lehmannsilva.com/artist/dayana-lucas/